Todo o arrocho mundo afora, está sendo feito para garantir o pagamento
dos juros, devido pelos países endividados.O arrocho mostra a força do
capital, impondo um sistema de cálculo das dívidas pelos juros
compostos. O anatocismo tem sido a principal causa das bolhas,
recessões, conflitos, calotes, moratórias etc e continuará a sê-lo,
enquanto os devedores não exigirem a sua revogação na ONU. Acho que o
BRICS poderia questionar a validade desses superavits fiscais,
exigindo-se o recálculo das dívidas pela computação separada dos juros
(juros simples). Talvez os governos europeus reconheçam que um menor repasse dos juros aos preços seja de interesse e, assim, criem a "coragem de fazer o que
deviam – que era colocar um controle público sobre os bancos..." , conforme bem observado no texto abaixo, que estou colando do site da Carta Capital:
Antonio Martins/Outras
Palavras/Carta Capital
Em 31 de dezembro, a Rede Brasil Atual publicou excelente entrevista em que o repórter Eduardo Maretti
dialoga com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, sobre o “ajuste fiscal”
iniciado pelo governo Dilma. O texto repercutiu muito menos que merecia, por
motivos previsíveis. A mídia conservadora procura apresentar o “ajuste fiscal”
como uma necessidade técnica – portanto, um tema que não pode ser submetido ao
debate político. Parte dos defensores de Dilma torce para o mesmo. Assusta-se
com as medidas já anunciadas ou em estudos – mas prefere vê-las como um recuo
temporário, uma pausa incômoda e inesperada, porém necessária, para cumprir,
mais adiante, o governo de “Mais Mudanças” prometido pela presidenta na
campanha à reeleição. Belluzzo desmonta ambas hipóteses: por isso, vale
examinar seus argumentos com atenção.
O “ajuste fiscal” não pode ser visto como “medida técnica” em
especial porque… não funciona, dispara o economista. Servindo-se de um exemplo
de enorme atualidade, ele questiona: “Acham que devemos adotar as políticas que
foram executadas na Europa e não deram certo – mas que aqui, vão funcionar.
Estamos em Marte?”. Belluzzo refere-se aos programas que os europeus conhecem
como “de austeridade”.
Adotados a partir de 2009, também foram apresentados como
“sacrifícios necessários” para restabelecer o que os mercados financeiros
chamam de “fundamentos” da economia. O Velho Continente viu morrerem inúmeros
direitos sociais. Em muitos países, as aposentadorias regrediram; o desemprego
disparou e os salários reais foram achatados; serviços públicos como Educação e
Saúde deterioram-se ou se tornaram mais restritos; diversas modalidades de
renda básica e seguro-desemprego foram eliminadas. Passados cinco anos,
contudo, não há nenhum sinal de recuperação. Ao final de 2014, a própria
revista Economist,conservadora
porém sofisticada, via na Europa “o maior problema econômico do mundo”. Advertia: está à
vista uma terceira onda recessiva, que agora pode engolfar até a poderosa
Alemanha.
Por que políticas fracassadas são
vistas como tecnicamente indispensáveis? O próprio Belluzzo prossegue: o
objetivo delas não é sanar problemas econômicos, mas atender “os interesses do
mercado financeiro”. O chamado “tripé macroeconômico” (metas de inflação,
câmbio flutuante e superávit fiscal) “diz respeito à globalização financeira, à
integração dos mercados, ao movimento de capitais, sobretudo”. O economista
reconhece: “É muito difícil afrontar isso. Em geral, os países tendem a enfiar
a viola no saco, atropelados pelo mercado financeiro. Os europeus não tiveram
coragem de fazer o que deviam – que era colocar um controle público sobre os
bancos (…) mudar a estrutura do sistema financeiro”.
Rigoroso, Belluzzo também admite que a complacência com os
interesses da oligarquia financeira vem muito antes de Dilma. Ocorre que,
durante os doze primeiros anos de governos da esquerda, foi possível mantê-la
num ambiente internacional que favorecia o Brasil. Eram os tempos de grande
disponibilidade de capitais em todo o mundo e, em especial, de alta excepcional
dos preços das matérias-primas agrícolas e minerais (commodities) – que
o País produz fartamente. Embora não confrontasse o capital financeiro, Lula
teve a ousadia de lançar políticas que direcionaram parte desta riqueza para a
redução da miséria e das desigualdades.
Esta tendência ficou para trás. A economia chinesa, que foi seu
principal motor, crescerá menos, até o final da década. Mais importante: para
depender menos de um mundo em crise prolongada, irá voltar-se para dentro,
estimulando os investimentos em infraestrutura e o aumento do consumo interno.
As commodities já perderam 1/3 do valor máximo, que alcançaram
em 2011. Deverão continuar em queda nos próximos anos, prevem quase
todas as análises.
Este novo cenário internacional
explica, em parte, o impasse do lulismo. Tornou-se possível contentar
simultaneamente ricos e pobres. Mas a opção de Dilma não teria sido saciar as
exigências do mercado financeiro para reconstituir consensos, reduzir as
pressões sobre seu governo e, em seguida, retomar as políticas
distributivistas?
Belluzzo está convencido de que
esta estratégia é uma ilusão. “O mercado não quer conversar com você. O diálogo
de que falam é um monólogo (…) De quem estamos falando? Dessa gente que, na
verdade, é um bando de autistas, que falam com eles mesmos”.
Além disso, adverte ele, “é um engano pensar que 2015 é como 2003
ou 2004”. A indústria já está em recessão: a produção nos três primeiros
trimestres de 2014 caiu 2,9%, em relação ao ano anterior. O suposto “ajuste”
desencadeado pelo governo tende a projetar o país “num túnel, do qual será
difícil sair”. Mais grave: é provável que sejam atingidas duas conquistas que
compõem a base para a sustentação política do governo:
“emprego e renda”. Nesta hipótese, um governo de esquerda executa o programa da
direta e assume, junto à sociedade, todo o desgaste decorrente. É neste aspecto
que, por não ousar, Dilma põe em risco não apenas sua popularidade, mas o
futuro do lulismo.
Quais seriam as alternativas?
Belluzzo crê que o objetivo das políticas econômicas precisa ser recuperar a
capacidade produtiva do país – erodida em décadas de hegemonia do setor
financeiro e privilégios aos exportadores de matérias-primas. Para isso (e não
para exportar minério de ferro), ele vê como positiva uma integração mais
intensa com o BRICS e, em especial, a China. Lembra que é algo já praticado por
Rússia e Índia. Moscou fechou com Pequim fornecimento de 400 bilhões de dólares
em petróleo, nos próximos dez anos. Mas, como contrapartida, a China investirá
na recuperação do parque industrial russo. O mesmo não poderia ser articulado a
partir do pré-sal?
Examinar criticamente o “ajuste
fiscal” é indispensável, num momento em que, ao unir governo e direita, ele
converte-se em “pensamento único”. Isso não significa, contudo, fechar os olhos
a dois grandes gargalos, econômico-políticos, que o Brasil passou a enfrentar,
há dois anos: uma deterioração do saldo das trocas com o exterior (a chamada
“balança comercial”) e do desempenho das finanças públicas. São problemas
reais, em torno dos quais construiu-se intensa desinformação – para que não
fique claro que há sempre mais de uma saída possível. É o que veremos, nos
próximos textos desta série.