Antes de adentrar no porquê da lembrança, farei uma síntese (não
exaustiva) da previsão dos Embargos Infringentes no nosso Direito, e das
situações processuais que geram o seu cabimento. O leitor que desejar ir logo
para o texto pertinente ao título, poderá passar diretamente para o subtítulo
Garantia Constitucional, abaixo.
Pelo Código de Processo Civil (lei processual comum), após o
juiz (primeira instância) decidir o pedido feito em uma ação, o perdedor, se inconformado,
poderá recorrer para o Tribunal (segunda instância - grupo de três juízes-desembargadores),
que poderá mudar a decisão do juiz ( reforma da sentença). O mesmo ocorre para
as ações penais, conforme previsto no Código de Processo Penal.
No entanto, até 1973, para questões de baixo valor, a lei
processual civil conferia ao perdedor somente um recurso para o próprio juiz
(que funcionava como uma segunda instância), chamado de Embargos Infringentes,
que permitia ao juiz mudar a sua sentença (este recurso não fora previsto no
Código de Processo Penal). Caso o recorrente conseguisse provar algum erro de
julgamento, então o juiz poderia reconsiderar e decidir de modo diverso. Mas
para causas acima daquele valor, o perdedor teria mesmo de interpor o recurso para
o Tribunal, a conhecida Apelação.
Desde 1973, entretanto, mesmo em questões de baixo valor, depois
que o juiz profere a sentença, ele não mais poderá mudar o conteúdo da decisão,
ainda que exista um erro dele em sua conclusão. Ele poderá até reconhecer que
está errado, em off, mas a lei não
lhe permitirá mudar nada do que concluiu, existindo apenas o recurso de
Embargos de Declaração (dirigido ao próprio juiz), onde os pontos omissos,
contraditórios ou obscuros poderão ser esclarecidos por ele, mas sem mudar a
conclusão de deferimento ou indeferimento do pedido cível ou criminal.
É certo, no entanto, que
embora não mais exista o recurso de Embargos Infringentes na primeira instância
cível (exceção, apenas em algumas leis processuais especiais, como na lei de
Execução Fiscal), as leis processuais,
civil e penal, sempre o previram nos julgamentos das Apelações e em outros
julgamentos não abrangidos por este resumo.
Assim, no julgamento da Apelação, se dois dos três
desembargadores decidirem de forma diferente da sentença (votos vencedores) e o
terceiro decidir igual a ela (voto vencido), caberá o recurso dos Embargos
Infringentes. Neste caso, o acórdão (decisão de um colegiado) será não
unânime e o perdedor poderá interpor aquele recurso, defendendo apenas o
conteúdo do voto vencido.
Importante ressaltar que este recurso será julgado por outro
grupo de juízes, desta vez em número de cinco, não podendo conter juízes-desembargadores
que tenham sido relatores ou revisores no julgamento anterior.
Tudo o que foi exposto até aqui encontra-se regulado na lei e
nos Regimentos dos respectivos Tribunais.
Garantia
Constitucional
Claro, então, que este recurso integra o devido processo
legal e a garantia constitucional da
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Especificamente para ações penais originárias, assim chamadas
as ações processadas contra altas autoridades ( conforme previsto na
Constituição), o recurso de embargos infringentes não foi previsto na lei e nem
em seus Regimentos Internos, exceto no Regimento do Supremo Tribunal Federal.
A imprevisão deveu-se à possibilidade de recurso dos
Tribunais inferiores para os superiores, constituindo-se estes a necessária segunda
instância. Mas não existindo um tribunal superior ao Supremo, os Embargos foram previstos para serem julgados pelo próprio
Plenário que julgou a ação penal originária (nomeado outro Relator).
Os Ministros do Supremo que mantiveram este recurso no
Regimento, merecem nossas homenagens pois aperfeiçoaram o nosso devido processo
legal, sintonizando-o com o Direito Internacional.
De fato, o acórdão do Supremo condenou os réus por maioria,
havendo, em favor de alguns réus, quatro
votos vencidos, número que gerou o direito processual de interpor o recurso de
Embargos Infringentes, por estar previsto expressamente no Regimento Interno do
STF.
A posição do Ministro Celso de Melo não teve coloração
política. Seu voto foi técnico e esclareceu
a todos os interessados, querendo crer que os senhores Ministros que fizeram
declaração à imprensa da absurdidade do cabimento foram imprudentes.
Ou seja, eles apoiavam manter a condenação dos réus
(ainda que equivocada), em atenção ao desejo de uma parcela da população, que quer
ver a prisão imediata de seus inimigos ideológicos.
O Ministro Celso provou
que a lei que regulamentou o processo da ação penal originária não revogou o Regimento
Interno do Supremo. Assim venceu a tese daqueles Ministros, que usavam o
argumento da revogação para satisfazer àquela parcela da população.
Do que entendi, queriam que o grito do povo
prevalecesse sobre a lei! Contra isso, o brilhante argumento do decano,
lembrando a definição aristotélica de que “o Direito há de ser compreendido em
sua dimensão racional, da razão
desprovida de paixão.”
Se a tese da revogação tivesse vencido, o cabimento
dos Embargos teria sido negado. Assim, a decisão ficaria muito parecida com a
de Pilatos, que se omitiu em evitar uma injustiça gritante, tão clara quanto a
luz solar, optando por fazer média com um povo sedento do sangue do inimigo de seus
líderes.
Então, ultrapassada a fase da discussão sobre o
cabimento do recurso, agora teremos a fase do julgamento de seu mérito, ou
seja, os Ministros apreciarão os eventuais equívocos no julgamento anterior,
que foram reconhecidos pelos quatro votos contrários. Espera-se o abandono da
paixão...
Quanto à prisão dos réus, continuamos com a mesma
opinião emitida em “Redução da Impunidade”, aqui postado em abril deste ano.
Fauzi Salmem
Advogado